Aproveito para divulgar que acabei de publicar no meu blog um artigo muito interessante do Eng. António Vicente acerca do “Cavalo Lusitano na Dressage: pontos forte e pontos fracos”. Para além de Agrónomo e Mestre em Produção Animal, o Eng.º António Vicente acumula a função de juiz de dressage em Portugal.
Para breve está a publicação de mais artigos dos seguintes autores: Sérgio Beck (Brasil), Francisco Cancella de Abreu e Bento Castelhano.ARTIGO DO ENG.º ANTÓNIO VICENTE
1. Índice de Imagens: Figura 1. Nostrodamus do top - polivalência da raça Lusitana. Cavalo de Toureio que concursou em Dreassage ao nível de Grande Prémio. 2. Apresentação
A pedido do colega e amigo Rodrigo Almeida, resolvi escrever um breve artigo sobre “O cavalo Lusitano na modalidade de Dressage: Pontos fortes e pontos fracos”.
Este documento resulta de um trabalho apresentado no Fórum Dressage que decorreu na Feira Nacional do Cavalo de 2007 na Golegã denominado: “Morfologia e Andamentos do cavalo Lusitano na Dressage”.
O Cavalo Lusitano na Dressage: Pontos fortes e pontos fracos
Devemos, em primeiro lugar, começar por referir a enorme polivalência desta raça (Fig. 1) para as mais distintas modalidades desportivas e actividades equestres tais como: tauromaquia, atrelagem, equitação de trabalho, equitação à portuguesa, saltos de obstáculos, horseball, volteio clássico, CCE, TREC, arte equestre, trabalhos de campo, cinema, lazer, concursos de beleza e obviamente dressage. Como se pode constatar é um cavalo muito completo, não sendo um especialista em nenhuma actividade, à excepção, no nosso entender, da tauromaquia e equitação de trabalho onde é o melhor do mundo, mas apresenta-se bastante versátil nas restantes actividades.
Em relação à modalidade de dressage os principais aspectos a considerar relevantes para um bom exemplar na modalidade são a sua conformação/morfologia, os seus andamentos de base (passo, trote e galope) e ainda o seu temperamento e montabilidade.
No estudo da conformação (Fig. 2) é essencial a sua proporcionalidade e simetria de formas bem como a correcção de aprumos, fundamental para animais que queremos que apresentem elevadas longevidades desportivas e que consigam competir até idades avançadas. Para tal, um correcto posicionamento dos membros, raios articulares e proporcionalidade física é muito mais conservador a médio/longo prazo.
Para o caso dos andamentos de base é fundamental uma boa mecânica, com correcção, regularidade e amplitude. O temperamento revela-se de particular importância pois de que serve um cavalo muito bom fisicamente mas com “má cabeça” ou que não se deixe montar e daí também a sua relação com a montabilidade.
Necessitamos, em dressage, de um cavalo cooperante com o cavaleiro, trabalhador e bom a assimilar os ensinamentos que lhe vão sendo transmitidos para os poder executar de forma sublime quando lhes são pedidos em competição. Mais ainda e como diz o Mestre D. José d´Athayde “não me interessa nada ganhar nos níveis mais baixos da dressage (P, E, M, …). Nesses interessa-me ensinar o cavalo pois a mim interessa-me é ganhar o Grande Prémio (GP)”. Concordamos por completo pois em GP, sendo o grau de nível superior de dificuldade, é que conseguimos observar e concretizar a absorção da escala de treino de um cavalo bem ensinado. Desta forma é muito importante o temperamento e a montabilidade de um equino para permitir “deixar-se arranjar” até ao mais alto nível de competição.
Falando então dos pontos a favor do cavalo Lusitano começamos exactamente pelo seu temperamento e montabilidade. Neste ponto o “nosso cavalo” sempre demonstrou um comportamento notável. É um animal de sangue quente, um pouco ardente (no bom sentido), o que se revela importante para um cavalo de dressage. Deste modo poderá transmitir mais vibração tornando-se num ganhador. Esta característica é importante pois o cavalo Lusitano normalmente apresenta vontade de trabalhar e colabora com o cavaleiro não se apresentando muito “frio às ajudas” como acontece com alguns warmbloods, fundamental em GP ainda mais quando não podemos ter o auxílio do stick.
Para além disso, e como está bem patente no seu padrão da raça, é um animal caracterizador por ser de confiança, corajoso, nobre, dócil e também com vontade e moral. Tudo atributos muito importantes para triunfar numa modalidade tão competitiva como é o ensino de competição.
Outros aspectos favoráveis ao seu desempenho em dressage são a facilidade de concentração, com boa capacidade técnica de executar exercícios de elevado grau de dificuldade como são a passage, piaffer, piruetas a galopes (Fig. 3), … Deste modo o Lusitano é um cavalo que rapidamente consegue alterar o seu equilíbrio e centro de gravidade. De notar ainda a boa capacidade de execução técnica, com facilidade em conciliar e encadear exercícios de alto grau de dificuldade técnica, para além de uma rápida assimilação de conhecimentos. Isto leva-nos a deixar uma questão no ar. Serão os cavalos Lusitanos mais inteligentes que a generalidade dos equinos, fruto da sua evolução e selecção ao longo dos tempos?
Um outro ponto interessante de constatar é a sua altivez, beleza natural, elegância e presença em pista, para além da sua expressividade, muito importante num cavalo que é avaliado pelo aspecto geral e exterior da sua execução. A ajudar a este facto temos a utilização generalizada em competição de reprodutores inteiros, em especial garanhões (Fig. 4), de formas mais arredondadas e altivas, chegando mais ao público e, queremos nós querer, aos juízes da modalidade.
Devemos ainda considerar como aspectos positivos a boa flexibilidade lateral, isto é, a capacidade de realizar trabalhos em duas ou mais pistas, como são o caso dos ladeares, desde que consigam cobrir terreno (“groundcover”) o suficiente numa avaliação deste tipo.
Regra geral apresentam um bom equilíbrio natural a trote, mas em especial a galope, logo com uma boa base de trabalho desde que devidamente consolidada, dada a menor precocidade desta raça comparativamente às raças do norte da Europa. O cavalo Lusitano apresenta ainda uma enorme capacidade de evolução e potencial desde que aplicadas a metodologia e técnica equestres adequadas.
Não podemos ainda esquecer a importância que este tipo de cavalo poderá ter para a competição de dressage com jovens praticantes (todos os escalões de formação até Young Riders) dado ser um animal geralmente fácil de montar, não muito problemático nem perigoso mesmo que inteiro. Deste modo o cavalo Lusitano poderá ter um mercado importante como montada para jovens que debutem ou em escalões de formação em dressage.
Mas como “não há bela sem senão” temos também de referir alguns pontos fracos, ou talvez menos fortes que o Puro-sangue Lusitano apresenta. E começando pela morfologia será que a silhueta inscritível num quadrado como patente no padrão da raça é favorável? Usualmente os animais que tendem mais do mediolíneo para o longilíneo apresentam melhor performance e capacidade de deslocamento, flexibilidade longitudinal e groundcover logo aí o Lusitano poderá perder um pouco.
Um outro problema na morfologia é a qualidade dos membros, onde a raça apresenta algumas fragilidades, desaprumos e falta de poder de sustentação e propulsão. Isto facilmente pode ser comprovado pela elevada ponderação que é dada a este ponto nas grelhas de classificação em provas de modelo e andamentos ou de reprodutores. Assim sendo deve ser um parâmetro a melhor e a ter mais em mais em consideração ainda para mais, como já referido, de vital importância para a longevidade na competição.
Ainda no que diz respeito à conformação muitas vezes a frente dos equinos é demasiado pesada, com ligações muito espessas de cabeça – pescoço com perda de mobilidade e colocação e ainda pescoço curto levando a menor amplitude e flexibilidade de movimentos. Um aspecto relevante relativamente ao antemão do cavalo Lusitano é que muito dificilmente a nuca poderá ser o ponto mais alto da atitude do cavalo dada a acumulação de gordura e a morfologia do pescoço. Ainda bem que hoje em dia já vai havendo conhecimento técnico por parte dos juízes internacionais de dressage para compreenderem esse facto. Também relacionado com a atitude do cavalo, e se considerarmos um animal com um chanfro muito convexilíneo ou abaulado, comum nesta população, poderá induzir em erro na apreciação ao julgar-se que o animal está encapotado, mas isto se divagarmos um pouco.
Outra fragilidade na morfologia do cavalo Lusitano é a sua ligação dorso-rim, muitas vezes mal dirigida e com um comprimento e desenvolvimento muscular que podem limitar as capacidades propulsivas e a amplitude longitudinal. Em relação à garupa a falta de angularidade que apresentam muitos exemplares poderá limitar também a capacidade de cobrir terreno e o abaixamento das ancas. Um costado cilíndrico bem patente em muitos animais desta população poderá, também ele reduzir a flexibilidade geral do corpo, limitando a capacidade torácica e a vida útil do animal.
Em relação ao outro ponto essencial num cavalo de dressage, a qualidade de andamentos, o “nosso cavalo” apresenta alguma falta de amplitude e groundcover, em especial, a passo e nos andamentos largos, apresentando menor disponibilidade física que os warmbloods e algumas irregularidades e assimetrias fruto de uma estrutura desequilibrada, de um mau ensino de base, … Esta deficiência na qualidade de andamentos estará sempre correlacionada com a qualidade dos aprumos e morfologia.
Também relacionada com alguma falta de força poderá estar a capacidade de fixar a atitude, estável e alta durante toda uma prova de GP, dada a enorme pressão e exigência física requerida.
Alguns aspectos gerais que podemos referir e que poderão jogar contra o Lusitano são: i) alguma falta de dimensão e tamanho para “encher o rectângulo de ensino” e para suportar cavaleiros com alturas cada vez superiores ou ainda para cumprir trajectórias e exercícios solicitados com simetria; e ii) o lusitano é um cavalo menos precoce e com um tipo de maneio muitas vezes extensificado pelo que será necessária maior consolidação das bases e mais tempo para a fase inicial de socialização e domesticação. Terá alguma dificuldade em acompanhar e concursar com os warmbloods, em especial nas fases iniciais e nas provas de cavalos novos, que achamos serem totalmente desadequadas para o “nosso cavalo” e que poderão comprometer o seu futuro desportivo.
A terminar não podemos deixar de referir, na generalidade, a falta de cultura e técnica equestre dos diferentes agentes equestres envolvidos.
Como conclusão pensamos que o cavalo Lusitano apresenta boas potencialidades, com uma qualidade média bastante aceitável dado o reduzido número de exemplares quando comparado com outras raças como o PRE, Hanoveriano ou KWPN. No entanto será mais difícil conciliar a selecção mantendo as características tão específicas e únicas da raça e a sua aptidão funcional e especialização em dressage.
Teremos que nos preocupar também em melhorar a média da cultura e técnicas equestres em Portugal com utilização de metodologias de treino mas sistematizadas e correctas bem como melhorando o maneio dos animais, logo um longo caminho a percorrer mas com boas perspectivas.
António Pedro Andrade Vicente, Eng. Agrónomo – Mestre em Produção Animal
O debate de ideias acerca deste tema deve processar-se igualmente neste espaço (Cavalonet).
Qual a posição dos ilustres forenses acerca deste tema?
Cordialmente,
Rodrigo Almeida